Em defesa da Lei Maria da Penha em Campinas

O Projeto Escola “sem” Partido é uma ameaça à implementação da Lei Maria da Penha em Campinas. Diante de índices altíssimos de violência doméstica contra mulheres e crianças, proibir a escola de tratar as desigualdades de gênero é uma enorme irresponsabilidade. Publiquei um artigo sobre o assunto no Correio Popular de hoje. ***** Segue texto […]

18 set 2017, 14:35 Tempo de leitura: 4 minutos, 28 segundos
Em defesa da Lei Maria da Penha em Campinas

O Projeto Escola “sem” Partido é uma ameaça à implementação da Lei Maria da Penha em Campinas. Diante de índices altíssimos de violência doméstica contra mulheres e crianças, proibir a escola de tratar as desigualdades de gênero é uma enorme irresponsabilidade. Publiquei um artigo sobre o assunto no Correio Popular de hoje.

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Segue texto na íntegra:

Em defesa da Lei Maria da Penha em Campinas

Sou a única mulher vereadora na atual legislatura de Campinas. Sou a décima quinta vereadora em toda história da Câmara Municipal. Infelizmente, essa composição se repete nas várias instâncias de representação legislativa, do poder executivo e judiciário. Apesar de nós mulheres sermos mais da metade da população, somos minoria absoluta nos espaços de poder e de decisão. O que significa que muitas decisões são tomadas sem considerar a nossa realidade de vida, ignorando nossas demandas e especificidades. Nas Câmaras legislativas do país, não faltam projetos de lei baseados em preconceitos e sexismos, cujo efeito é reforçar a desigualdade de gênero e manter privilégios. Exemplo disso é o projeto de lei denominado Escola “sem” Partido, em tramitação na Câmara de Campinas, mas que nada mais é do que cópia de outros projetos apresentados em outras câmaras.
O projeto confunde ideologia e ciência, neutralidade e censura, opinião e doutrinação. No artigo 2º, veta o poder público de aplicar o que ele chama genericamente de “postulados da teoria ou ideologia de gênero”. A generalidade com que o projeto trata a questão não é inofensiva. Sem dizer exatamente a que se refere com o termo “ideologia de gênero”, o projeto deixa margem para interpretações várias e para critérios estritamente subjetivos e arbitrários. Aliás, a generalidade maliciosa é a tônica geral do projeto.
A proibição de discutir questões relacionadas a gênero dentro da escola é impraticável, afinal as relações de gênero são inerentes às relações humanas. Contudo, existe um acúmulo razoável de estudos que apontam o machismo como ideologia de gênero dominante na escola e na sociedade. Proibir discutir gênero dentro da escola é uma forma de não permitir o questionamento da ideologia machista – uma visão de mundo que trata a mulher como sujeito desigual, mero objeto acessório ao homem e não portadora de plenos direitos.
Para aqueles que menosprezam a questão, os índices de violência provam como a desigualdade de gênero permanece uma marca da sociedade brasileira. O Brasil é considerado um dos países mais violentos para as mulheres e ocupa o 5º lugar no ranking de 83 países com maior índice de feminicídios. Em média, a cada uma hora e meia uma mulher é assassinada. Metade desses assassinatos foram cometidos por familiares (50,3%) e um terço pelo parceiro ou ex-parceiro (33,2%). Dentre as mulheres assassinadas, 27,1% foram mortas dentro de sua própria residência (Mapa da Violência – 2015). Isso significa que a maioria dos casos de assassinatos de mulheres acontece dentro da família e grande parte deles, dentro de casa. A casa e a família, que supostamente seriam ambientes seguros e protegidos, podem ser extremamente violentos contra as mulheres.
Impressionante ainda são os dados sobre violência sexual. Dados do Ministério da Saúde mostram que a maioria das vítimas de abuso sexual são do sexo feminino, 70% delas tinham menos de 18 anos e 50%, menos de 13 anos. A maioria das vítimas são crianças e adolescentes. Outra pesquisa mostra que metade dos casos de estupro de crianças e adolescentes têm como autor da violência os pais ou conhecidos (IPEA-2016). Também os casos de violência sexual acontecem majoritariamente dentro da família. Ora, o poder público pode e deve agir no combate a essas violências, muitas vezes silenciadas exatamente por acontecerem dentro do ambiente familiar. É inadmissível negar o papel que tem a escola na prevenção desse tipo de violência.
A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), considerada uma das melhores leis do mundo em termos de proteção à violência contra a mulher, estabelece a presença de conteúdos relativos à equidade de gênero e de direitos humanos nos currículos escolares como política de prevenção à violência (art.8º). Na contramão disto, o PL Escola “sem” Partido nega a desigualdade de gênero enquanto problema social e coletivo e não reconhece o lugar da educação escolar na prevenção da violência. Esta não é uma posição neutra. Uma vez que tenta impedir o combate a essa desigualdade, assume efetivamente o ponto de vista dos agressores, daqueles que têm violentado mulheres e crianças. Nesse sentido, o Projeto de Lei Escola “sem” Partido é um projeto que põe em risco a implementação da Lei Maria da Penha no município de Campinas e se apresenta como um entrave para o combate à violência de gênero. Uma censura como essa é mais um retrocesso nas políticas de defesa da vida de mulheres e crianças, um dos maiores desafios para a cidade que ficou conhecida nacionalmente pela chacina feminicida da virada do ano de 2017.